A construção da escrita

Sob o prisma europeu, o primeiro período das gêneses criativa do homem começa com o seu surgimento na terra, há cerca de 3,6 milhões de anos, até o aparecimento da escrita. Este primeiro marco da evolução humana corresponde ao que nós conhecemos por período da pré-história.
Este mesmo passado pré-histórico remete-nos para o princípio do símbolo, ou aquilo a que comumente se designa por imagem simples, cujas manifestações mais significativas podem ser encontradas nas pinturas rupestres.
Quando falamos da passagem da escrita ideográfica para a escrita alfabética, em que cada letra apresenta um som numa linguagem de letras que se combinam para formar palavras, não devemos falar de uma descoberta, mas antes de um lento processo evolutivo.


Nas sociedades letradas, as crianças, desde os primeiros meses, estão em permanente contato com a linguagem escrita. É por meio desse contato diversificado em seu ambiente social que as crianças podem fazer, a partir de dois ou três anos de idade, uma série de perguntas, como “O que está escrito aqui?” ou “que isto quer dizer”, indicando sua reflexão sobre a função e o significado da escrita, ao perceberem que ela representa algo.
Sabe-se, que para aprender a escrever a criança terá de lidar com dois processos de aprendizagem paralelos: o da natureza do sistema de escrita da língua – o que a escrita representa como – e o das características da linguagem que se usa para escrever. A aprendizagem da linguagem escrita está intrinsecamente associada ao contato com textos diversos para que as crianças possam construir sua capacidade de ler, e às práticas de escrita, para que possam desenvolver a capacidade de escrever autonomamente.



De acordo com FERREIRO, ( ) “as crianças não aprendem simplesmente porque vêem os outros ler e escrever , e sim porque tentam compreender que classe de atividade é essa. As crianças não aprendem simplesmente porque vêem letra escritas e sim porque se propõem a compreender porque essas marcas gráficas são diferentes das outras. Elas não aprendem apenas por terem lápis e papel à disposição e sim porque buscam compreender o que é que se pode obter com esses instrumentos.Em resumo: não aprendem simplesmente porque vêem e escutam e sim porque elaboram o que recebem, porque trabalham cognitivamente com o meio que lhe oferece. 


A observação e análise das produções escritas das crianças revelam que elas tomam consciência, gradativamente, das características formais dessa língua. Constata-se que desde muito pequenas, as crianças podem usar o lápis e o papel para imprimir marcas, imitando a escrita dos mais velhos, assim com utilizam-se dos livros, revistas, jornais, gibis rótulos etc. para ler o que está escrito. Não é raro observar as crianças muito pequenas, que tem contato com material escrito, folhear livro e emitir sons e fazer gestos como se estivessem lendo. Elas elaboram uma série de ideias e hipóteses provisórias antes de compreender o sistema escrito em toda sua complexidade.
Todavia, sabe-se também que as hipóteses elaboradas pelas crianças em seu processo de construção de conhecimento não são idênticos em uma mesma idade, porque dependem do grau de letramento de seu ambiente social, ou seja, da importância que tem a escrita no meio em que vivem e das práticas sociais de leitura e escrita que podem presenciar e participar.
           No processo de construção dessa aprendizagem as crianças cometem “erros” nessa perspectiva, não são vistos como faltas ou equívocos, eles são esperados, pois se referem a um momento evolutivo no processo de aprendizagem das crianças. Elas têm um importante papel no processo de ensino, porque informam o adulto sobre o modo próprio de as crianças pensarem, uma vez que só escrevendo é possível enfrentar certas contradições. Como por exemplo, se algumas crianças pensam que não é possível escrever com menos de três letras, e pensam, ao mesmo tempo, que para escrever “gato” é necessário duas letras, estabelecendo uma equivalência com as duas sílabas da palavra gato, precisam resolver essa contradição criando uma forma de grafar que acomode a contradição enquanto ainda não é possível traspassá-la.
           A primeira distinção que estabelecerão refere-se à diferenciação entre os desenhos, por um lado outros signos, como letras, números e grafias diversas. Portanto, as primeiras grafias infantis ao escrever colocam alguns signos que já não são desenhos, mas tampouco letras convencionais. São grafias que tentam se parecer com as letras, com maior ou menos sucesso. Quanto à distinção entre letras e números, a criança logo notará que há dois tipos de símbolos, além dos desenhos, letras e números. Inicialmente utilizam indistintamente.

A aprendizagem é um processo de apropriação do conhecimento que só é possível pelo pensar e agir do sujeito sobre o objeto que ele quer conhecer. Portanto, o conhecimento da lectoescrita se da a partir do contato entre esta criança e os objetos escritos. Apesar das diferenças individuais, ao tentar compreender o sistema de escrita e a sua função, a criança em contato com este objeto (a escrita), formula teoria metodologia e gramáticas próprias num processo lógico e coerente que imagina ser sua língua e que executou como algo real e compreensivo por todos (RUSSO; VIAN 1995, p.27.)

Sabe-se que escrever supõe tomada de decisão acerca do que vai ser escrito, como será escrito, quais letras devem ser empregadas. Considera-se que os fonemas são as unidades sonoras básicas da linguagem que contém significado, no entanto, não se encerram, já que certos grupos de traços fonéticos estão sujeitos a regras de pronuncia de que nossa língua dispõe não previsível a partir de regras de conversão fonema-grafema.
Na década de 80, a pesquisadora argentina Emília Ferreiro contribuiu para que ocorresse o avanço cientifico no que diz respeito à compreensão do processo de aquisição de escrita alfabética pelas crianças, tomando por base dos estudos desenvolvidos por Jean Piaget. Ferreiro demonstrou, de forma contundente, que as crianças constroem varias concepções de escrita antes de atingirem a compreensão do adulto já alfabetizado acerca do nosso sistema de escrita, comprovando que existem formas simples de identificarmos as ideias da criança sobre a escrita, necessitando, portanto, interpretar os erros que elas costumam fazer quando escrevem e lêem.
É importante compreender que sem uma concreta estrutura de exterioridade passada (riquezas de experiências vividas, de um bom vocabulário) será mais difícil para a criança aprender a codificar e decodificar, afinal ler e escrever é apenas um dos aspectos do crescimento individual da criança.
O que vem ocorrendo nas práxis- pedagógicas, por um lado é que elas não concebem a leitura como um processo construtivo e seqüenciado que depende da globalidade das ações do sujeito na construção do seu próprio conhecimento. (LIMA 1999, p.64)
Em qualquer época da vida as pessoas podem manifestar dificuldades de aprendizagem e englobaria um grupo heterogêneo de transtornos que se manifestariam, em dificuldades, em tarefas cognitivas, podendo ocorrer em pessoas normais, sem problemas visuais, auditivos ou motores, além de se manifestarem concomitantemente a eles.  Podem ocorrer ainda dificuldades, momentâneas e ou em áreas específicas, abrangendo várias áreas do conhecimento.
Ao se falar em dificuldade de aprendizagem, não se pode deixar de considerar que historicamente, a atenção nesse campo era mais voltada para as crianças, devido à defasagem em todos ou alguns materiais específicos ou a um comportamento considerado inadequado. De certa forma, eram esses os critérios que orientavam a classificação das crianças com dificuldades de aprendizagem. Com isso, não existe uma definição aceita universalmente de que seria considerada uma dificuldade de aprendizagem devido à heterogeneidade de sintomas.
De acordo com Weiss (2003),

O conhecimento da psicogênese considera o avanço e continua a exigência com aquilo que a criança pensa e trabalha a partir de onde ele está, e imagina que ele tem que aprender bastante, mas esse bastante tem que ser relevante de onde ele começou.

Estar alfabetizado implica em dominar e usar a língua escrita, para resolver problemas do cotidiano, para aprender a aprender, buscando informações em diferentes fontes, analisando-as e aprimorando-se cognitivamente, e mais, utilizar-se de textos variados referenciais ou não, para simples lazer, estudo ou formação.
A seguir investigaremos o pensamento da criança em relação à língua escrita. Acompanhemos a descrição feita por Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre o caminho que o aprendiz percorre em níveis de aprendizagem conceitual.

Nível pré-silábico
Surgem as primeiras manifestações gráficas (rabiscos, garatujas, desenhos e letras); não há correspondência som/grafia; as letras são aprendidas na interação com a língua escrita (não são inventadas); realismo nominal (correspondência entre objeto e escrita).
[...] a intenção subjetiva do escritor conta mais que as diferenças objetivas no resultado: todas as escritas se assemelham muito entre si, o que não impede que as crianças considerem como diferentes visto que a intenção que presidiu a sua realização era diferente (se quis escrever a palavra num caso e outra palavra noutro caso[...] FERREIRO, TEBEROSKY, 1999, p. 93.

Nível silábico
Caracteriza grande avanço conceitual na aquisição da escrita; inicialmente a escrita silábica não apresenta correspondência sonora; posteriormente a faz entre a sílaba e a omissão oral; ouve e grafa os sons parcialmente.

Nível silábico alfabético
Caracteriza-se pela transição do nível silábico para o alfabeto; a criança descobre que as sílabas são construídas de letras; momento em que o educando oscila, ora grafando a sílaba completa, ora parcialmente.

[...] a criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma analise que vá “mais além” da sílaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de granas (ambas as exigências puramente internas no sentido de serem hipóteses originais da criança) e o conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura dessas formas em temos de hipóteses silábica (conflito entre uma exigência interna e uma realidade exterior ao próprio sujeito) (FERREIRO; TEBEROSKY 1999, p, 214)

Nível alfabético
É marcado pela consolidação da base alfabética, ou seja, também chamada de escrita fonética, ou ainda se escreve como se fala; nesta fase a criança faz a correspondência entre fonema e grafema, ouvindo e registrando todos os sons que compõem a palavra, independente de convencionalidade da língua (ortografia).
Assim, construída a base alfabética, outras dificuldades e outros desafios se imporão aos discentes: as questões ortográficas da língua escrita.

Silva. Antonio Carlos, DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM NA ESCRITA: entraves e frustrações no ensino fundamental.FACULDADE REGIONAL DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE CANDEIAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA E INSTITUCIONAL.2010, p27-32

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